domingo, 27 de abril de 2014

Introspecção

“Meus ossos já não suportam mais a carcaça podre dos teus delírios. Poesia escrota e incoerente corre em minhas veias. Sou o poeta, o mártir, o infinito, o universo e as estrelas. Estou em cada ponto cego do teu campo de visão. Sou a essência da tua dor, o teu desgosto e tua vaidade. Sou teu caso mal resolvido, um velho amigo. Não abandono teus pensamentos, nem te deixo esquecer. Decreto a partir de hoje meu estado de loucura. Passei meu aniversário no chão frio do banheiro numa posição fetal bem debaixo do chuveiro. Lembro que me senti velho, inútil, pequeno, cansado e sozinho. Fechei os olhos e chorei, senti a dor e o peso de mim. Passaram-se sete meses e tudo que vejo no céu são luzes artificiais. Parei com a bebida e os remédios já não fazem mais efeito. Não tenho no que me agarrar. Devo ser uma espécie de erro no sistema. Um paradoxo. Exato, não passo de um equívoco de quase duas décadas, um ser de mente arruinada que nunca teve motivos para derramar uma lágrima de felicidade. Uma criança perdida sem pais, sem paz. Gostava de me perder e morri pouco a pouco quando fui esquecido, esquecendo. Festas perderam a graça, pessoas eram chatas, os amigos não existiam. Suicídio é não ser lembrado. Assim como o dia cede lugar a noite repentinamente, perdi minha crença. Me enfiei num buraco tão profundo e escuro de mim que não há mais saída, a porta se fechou. Deixei de existir.”

— Sereno. Introspecção. 

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