domingo, 27 de abril de 2014

Pra você, por inteiro

Noites brancas


“Há momentos em que sinto tal tristeza, tal espanto… Nesses momentos chega a parecer-me e até começo a acredita-lo, que já não poderei iniciar nenhuma vida nova, pois já por mais de uma vez tive a impressão de que perdia todo o sentimento e toda a sensibilidade para tudo quanto é realidade e vida verdadeira; porque eu me amaldiçoei a mim mesmo; porque às minhas noites fantásticas se seguem momentos de prostração que são terríveis. E para além de tudo isto acabamos por sentir que as massas humanas se agitam à nossa volta em ruidoso tropel, ouvimos e vemos como vivem as criaturas: o que se chama viver, viver de verdade e acordado, e chegamos a verificar que a nossa vida não obedece à nossa vontade, que a nossa vida não se deixa moldar como um sonho, que eternamente se renova e fica eternamente jovem, e nela nenhuma hora é igual à que se segue, enquanto a horrível fantasia, essa nossa força de imaginação, acaba por ficar desconsolada e suscetível, e monótona ate à vulgaridade, escrava das primeiras nuvenzinhas que de repente cobrem o sol e oprimem numa dor amarga o nosso coração que tanto ama esse mesmo sol. E até na própria dor, que fantasia! Sentimos que, por fim, essa mesma fantasia que parece inesgotável, há de esgotar-se na sua eterna tensão, pois nos vamos tornando mais viris e amadurecidos, e superamos os nossos antigos ideais, que se desvanecem e se reduzem a palavras e a pó. E se depois não houver outra vida, temos de nos pôr a reunir os restos desse entulho para com eles voltarmos a refazê-la. E contudo a nossa alma reclama e anseia por alguma coisa completamente diferente. E em vão o sonhador remexe nos seus antigos sonhos, como se ainda procurasse no rescaldo uma centelha, uma só, por pequena que fosse, sobre a qual pudesse soprar, e com a nova chama assim ateada aquecer o coração enregelado e voltar a despertar nele o que dantes lhe era tão querido, o que comovia a nossa alma e nos arrebatava o sangue, aquilo que fazia subir as lágrimas aos nossos olhos e que era uma ilusão tão bela.”
— Fiódor Dostoiévski

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